Em uma certa oportunidade, assistindo o jogo do Corinthians em pleno Pacaembu lotado, com aquela massa de pessoas unidas sob um único fundamento, para algumas quase uma religião, comecei a pensar como a influência Serranista foi fundamental na escolha de nosso “Todo-poderoso” como time do coração.
Tem uma certa dissonância da família que partiu para outras cores, mais verdes ou mais rosas, porém, sem a essência serrana em sua construção almática (neologismo para incorporação do corinthianismo na alma de um Serrano).
Mas, lembro como se fosse hoje, do dia que fui com meu pai ao Morumbi assistir aquele Corinthians e São Paulo em 1982, em que o Casagrande guardou um tento contra a bambizada (que à época era conhecida como pó-de-arroz) e correu em direção a numerada. Parecia que de fato caminhava em minha direção, nessa hora meu coração quase parou e jurei pra todo santo ainda vivo que ele me viu no meio de tanta gente gritando seu nome.
Naquele dia, algo maior fez florescer ainda mais a minha paixão alvinegra, quando o Sr. Vidal falou sobre o jogador corinthiano Luisinho – O Pequeno Polegar. A descrição do jogo e da forma como o mestre corinthiano driblava permanecem vivas em minha memória como se eu fosse uma testemunha ocular de um fato acontecido em tempos longíquos, cuja catalogação se faz desnecessária, sob o risco de revelar a idade da Velha Guarda Serranista.
Com os olhos brilhando de um legítimo Serrano corinthiano, meu pai descreveu a cena que nunca se apagou de minha memória, mesmo não tendo presenciado a poesia construída dentro das quatro linhas.
A cena que presencie em meus devaneios, narradas pela genialidade serrana do Sr. Vidal, começou com um rapaz magro, franzino, com o cabelinho curto, no meio de zagueiros gigantes da meta Alviverde do Palmeiras.
O Pequeno Polegar, com aproximadamente 1,60m, topava de frente com o forte e gigante zagueiro argentino e palmeirense Luis Villa. O Golias da zaga palmeirense intimidava o Pequeno Polegar com gracejos e provocações, até que a mágica que marcou a história deste time e por conseqüência desta família, aconteceu.
Depois de apanhar a bola na intermediária o Pequeno Polegar esperou para que seu marcador se aproximasse. Quando o Gigante Villa foi como um touro contra a aparente frágil figura, o guerreiro corinthiano jogou a bola entre as canetas (penas) do adversário e ligeiro como um foguete passou pelo guarda-metas.
Essa façanha se repetiu por três vezes durante o jogo, com medo de ser mais uma vez humilhado perante 100 mil testemunhas, o zagueiro Alviverde parou de topar com o Pequeno Polegar e fez o que hoje conhecemos – marcação por zona -, guardando uma distância segura do adversário e não dando combate direto.
O Pequeno Polegar fitando seu astuto adversário nos olhos, com a coragem e alma de um verdadeiro guerreiro corinthiano, simplesmente esperou, esperou, esperou até que cansado de esperar protagonizou a maior jogada de todos os tempos, jogada que será narrada por milhões de pais para milhões de filhos enquanto a mágica do futebol existir sobre a terra.
O Pequeno Polegar fitando o argentino Luis Villa nos olhos e observando a movimentação do time palmeirense cansou de aguardar o combate e sentou na bola.
Nesse momento, como um gol salvador surgido no último minuto do segundo tempo, a massa corinthiana gritou e se abraçou não simplesmente pela maravilhosa jogada, mas pela razão máxima de ter criado um vínculo perene, criação de uma eudaimonia, que gerações e gerações ouviriam e presenciariam em seus sonhos a jogada mais astuta e poética do futebol brasileiro.
A condição humana de Hannah Arendt narra que só o homem que não sobrevive ao seu ato supremo é senhor inconteste de sua identidade e possível grandeza, porque se retira, na morte, das possíveis conseqüências e da continuação do que iniciou. O Pequeno Polegar com seu ato de grandeza deixou para os súditos alvinegros a obrigação de manter a história em seu lugar intocável e no coração de cada corinthiano o orgulho de poder rememorar algo tão grandioso quanto a massa representante deste Time.
O Serrano por obrigação deve passar esta história adiante para que as novas gerações encontrem em suas nuanças o fundamento necessário para colorir o coração de Alvinegro.
Antonio Carlos A P Serrano
Serrano, Corinthiano, Casado e Editor.