quinta-feira, 23 de julho de 2009

Atos Secretos

Pedro Estevam A P Serrano

Hoje em dia é quase um truísmo jurídico falarmos da distinção entre validade e existência dos atos jurídicos, em especial no âmbito do direito público.

No sentido das lições de Pontes de Miranda, invalidade é defeito dos atos jurídicos, mas só tem defeito aquilo que é! Ou seja, se temos uma máquina de lavar roupas com defeito, este tal defeito só pode ser observado a partir do pressuposto fático de que ali existe uma máquina de lavar roupas que não funciona bem. Assim, o ato inválido é aquele que não encontra fundamentação jurídica na escala normativa superior da ordem jurídica; põe-se em conflito com as normas superiores do ordenamento, mas existe enquanto ato, mesmo que com “defeito”.

A doutrina foi reconhecendo, contudo, que certos atos inválidos eram de tal forma agressivos ao direito, posto que sequer podiam ser admitidos no interior do sistema. Não se submetiam a requisitos mínimos de pertinência sistêmica, ou seja, para efeito do direito, não existem.

Não se pode falar que uma bacia quebrada é uma máquina de lavar com defeito. Ela simplesmente não existe como máquina de lavar. Os elementos mínimos definidores do conceito não se encontram ali presentes. Pois certos atos jurídicos são de tal modo desprovidos de requisitos mínimos de forma, objeto ou conteúdo, que nem são atos jurídicos. Não chegam a ser inválidos porque sequer existem. Mesmo para ser inválido, o ato tem de pertencer minimamente ao sistema, o que não ocorre no chamado ato inexistente.

Assim, por exemplo, uma lei municipal que deveria ser publicada no Diário Oficial e por equívoco é publicada no jornal privado de maior circulação na cidade é inválida, pois não cumpriu requisito formal de validade. Mas é existente porque, mesmo que de forma claudicante, recebeu um mínimo de publicidade. Já uma lei que não foi publicada é uma não-lei, não existe como lei no sistema, nem chega a ser inválida.

A distinção entre inexistência e invalidade de atos não é meramente teórica. Traz consequências relevantes. Por exemplo, o ato público inválido goza de presunção de legitimidade, ou seja, deve ter efeitos como se legítimo fosse até decisão judicial em contrário. Por evidente, o ato inexistente não goza desse tipo de atributo, tratando-se de um mero fato jurídico, ou seja, de ocorrência fática com efeitos no mundo jurídico.

Se perpetrada qualquer violência contra qualquer pessoa com base em lei não publicada, como no exemplo oferecido, essa violência deverá ser tratada sem usufruir de qualquer prerrogativa pública de presunção de legitimidade ou executoriedade. O ofendido deverá recorrer ao Estado para impedir a realização da violência e, se isso não for possível de forma eficaz, poderá reagir com o uso da própria força em defesa de seu direito.

Além dessas, outras distinções práticas ocorrem no tratamento jurídico de atos públicos inválidos e no de atos públicos inexistentes.

Não nos cabe aqui discorrer de forma mais precisa sobre isso, a doutrina de direito público é extensa sobre o tema e já pacificada a respeito. O que nos cabe registrar é desfaçatez com que tem se tratado as consequências de atos públicos juridicamente inexistentes no caso da chamada crise do Senado Federal.

Atos de nomeação de funcionários não publicados não são atos secretos, são atos inexistentes. Sob o ponto de vista jurídico não existem, são um nada! Sequer devem ser anulados os atos inexistentes, mas simplesmente cessados seus efeitos, ou, quando muito, declarada sua inexistência em situações em que tal declaração se justifique.

Não existem atos secretos de nomeação de servidores públicos em um Estado de Direito, talvez com a exceção da designação de espiões para algum serviço secreto de segurança nacional, o que não é o caso, pois os apaniguados de nossos parlamentares parecem não ter vocação para a espionagem, ao menos aquela em favor da nação.

Sob o ponto de vista jurídico, o que ocorreu no Senado foi a retirada de dinheiro dos cofres públicos e entrega destes valores a terceiros. Apenas esse fato aconteceu. Não há ato jurídico algum sem a devida publicação, ocorre “in casu” mero fato jurídico produtor de efeitos ilícitos que continuam a incidir pela inação também ilícita das autoridades responsáveis.

O que estarrece: sabemos há meses dessa ocorrência e só nesta semana uma tal comissão formada naquela Casa de Leis resolve sugerir que os pagamentos parem de ser realizados! Pasmem, caros leitores! Alguém lembrou que seria melhor parar de pagar funcionários que, sob o ponto de vista jurídico, não existem como tal. Em verdade, a referida comissão sugeriu que os tais não-funcionários fossem exonerados! Exonerados de funções que nunca titularizaram!

Obviamente, no que tange aos pagamentos dos não-servidores, a proposta é uma mera sugestão, trâmites deverão ainda ser seguidos até uma ponderada decisão final. Como o dinheiro é nosso, e a decisão deles, ela pode passar por longos trâmites decisórios, sem qualquer pejo, afinal, esses parlamentares não são cidadãos “normais”. Normal é aquele sujeito que está enquadrado em normas postas. Realmente não é o caso.

A novela da desfaçatez prossegue diariamente no noticiário. Criou-se uma nova categoria de atos públicos: os secretos, que agora precisam ser “anulados”, mas precisamos pensar, ponderar nas “gravíssimas” consequências destas “anulações”! Desnecessário falar que o adequado teria sido a interrupção imediata de qualquer consequência fática, jurídica ou pecuniária de tais “atos secretos” logo que foram “conhecidos”. O tema em voga agora deveria ser o de quem deve ser punido, quem agiu de boa-fé e quem agiu com dolo, quem participou do crime e quem não teve a ver com qualquer ilícito.

Ou seja, investigar o ocorrido e punir exemplarmente os responsáveis, nos âmbitos criminal, cível e nas sanções da Lei de Improbidade, ao invés de ainda estarmos refletindo sobre o que fazer com os não-funcionários, com os não-atos etc.

Mas isso, por sua vez, só ocorreria se as autoridades em questão fossem cidadãos normais, aqueles que ganham dinheiro com o suor do rosto, passaram tantas horas dormindo na vida quanto em claro preocupados com as contas, responsabilidades e todas as demais dimensões da existência normal. Felizmente, os cidadãos normais deste país estão recuperando o orgulho da nação enquanto tal, por conta de seus próprios méritos, recusando cotidianamente o convite à desistência que lhes é oferecido por aqueles que pairam acima da lei, do bem e do mal, encastelados em estrito e amplo senso.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

A Vida dentro de um escritório de advocacia.

by: Cuca

Tudo começa bem cedo, você acorda, toma o café da manhã e coloca a armadura.

Paulista acha que não é paulista sem terno.

Repare na Avenida Paulista, quanto terno ao mesmo tempo você encontra.

Pessoas pedem dinheiro no farol com terno.

Tudo aqui acontece bem rápido e mais rápido ainda começa de novo.

Hoje foi um dia muito especial, aquela rotina sádica foi quebrada por um defeito na máquina de fazer café.

Meu, você não sabe o que é paulista no escritório sem caféninguém trabalha.

A tiazinha do café avisou o boy:

- Cleyson. Deu pau na máquina.

- Lava e ta novo. Depois do carnaval tudo é samba.

- Não imbecil, a máquina do café deu pau.

- Puta que pariu. Fodeu ! Aviso pro chefe.

- Não.

- Então corre , vai dá merda.

A tensão começa a pegar e neguinho esquece da vida, o boy desesperado avisa a secretária.

- Glorinha, vai dar merda, a tiazinha não sabe mexe naquela merda e a máquina deu pau de novo, seu Dr Paulo vai chega, vai chega sem café, e o bagulho ta feito. Depois não adianta falá que num falei.

Nessa hora podemos resumir a evolução humana e entender o motivo pelo qual o mundo foi criado, observando a reação de uma mulher sem café, com chefe penta e prestes a matar um boy.

- PORRA! Como essa porra dessa mulher foi fazer isso? Como a porra da máquina de café quebrou? Como o porra do Dr Paulo vai ficar sem café? Tamo todo mundo na merda!!!!. Cleyson corre atrás de conserto , voa pra porra da loja e traz o técnico aqui.

Essa é a hora do conflito mais esperado dentro de um escritório, a hierarquia medida entre a secretária e o boy.

- Iscuta aqui fia, presta bem atenção nu que vou ti falá. SE NUM MANDA NI MIM. Ponto. Você não mi contratô, quem mi contratô foi Dr Paulo, assim, se num manda ni mim. Porra, não vô pro colégio pra ouvi essa que acha que é a dona dessa merda, me fude o dia todo.

Nessa hora toda secretária apela para o dogma real e ganha a queda de braço sem o mínimo esforço.

- Escuta aqui rapaz. O que você vai dizer para o DR PAULO, quando ele chegar, SEM CAFÉ, quando eu falar que a máquina estava quebrada por que você não arrumou.

- Puta qui pariu, porra, pode deixar que vou trazer aquele porra mais uma vez pra . Mas olha é a última vez.

Nesse momento o advogado e o contador que disputavam quem era mais importante no escritório, parado no corredor por mais ou menos 50 minutos, ouvem a discussão do boy e descobrem que estão sem café.

Pronto. É a pura crise de abstinência e a notícia espalha.

- Dona Glória estamos sem café e cheios de serviço, como vamos dar resultado de tudo e fazer a empresa ganhar rios de dinheiro, sem tomar café? A senhora tem a resposta? Hã?

Dona Glória cansada, com os olhos fundos recém chegados da gafieira, desafia o outro ponto de confronto em uma hierarquia dentro de um escritório. Quem manda mais a secretária ou os advogados?

-Se não quiser trabalhar problema seu, a máquina vai arrumar e o Dr Paulo volta hoje de férias, se vocês não terminarem o serviço viu. O homem volta a trabalhar, sem café... Acho que não é hora para revolução, volta pra sua cadeirinha e engane mais um pouquinho.

-Escuta aqui Dona Glória, sou DOUTOR e exijo respeito, sem café não trabalho.

Nessa hora a secretária se socorre mais uma vez do dogma real e invoca a máxima da agenda.

-Quando o DR PAULO chegar e perguntar o porquê da bagunça, vou ter que responder que a bagunça é causada por certos FUNCIONÁRIOS que não conseguem ficar nem 30 minutos sentados e lembrá-lo que estamos SEM CAFÉ.

- Mas sem advogado, escritório não funciona DONA GLÓRIA.

- Mas com a agenda secreta do chefe na minha mão e com o telefone da mulher dele na outra, quem manda nesta merda por enquanto sou eu.

Nessa hora nosso colega formado pela USP, com especialização em Harvard, recolhe suas orelhas, jura que vai prestar concurso pra juiz e depois foder com todo cristão que apareça na sua frente.

Quando aparece o boy com o técnico que verifica que a máquina não funciona sem ligar o botãozinho de trás, aquele miúdo, escondido do lado do fio da tomada e o café volta ao escritório, antes do Dr Paulo, e a paz volta a reinar e a empresa a produzir para mais umas férias do chefe na Europa.