sábado, 18 de abril de 2009
terça-feira, 14 de abril de 2009
A lei antifumo e a Constituição
Pedro Estevam Serrano - 09/04/2009
A lei antifumo do governador do Estado de São Paulo, José Serra, foi aprovada. Em essência, ela proíbe o fumo em locais fechados, mesmo bares e restaurantes que tenham área devidamente protegida do contado entre fumantes e não-fumantes.
O mérito da constitucionalidade da medida face ao nosso sistema de proteção aos direitos fundamentais gerará polêmica, certamente. A nosso ver, o deslinde da questão limita-se a avaliar até que ponto a atividade de fumar em um bar ou restaurante perturba indevidamente a saúde e o bem-estar de terceiros.
O direito de liberdade previsto no “caput” artigo 5º de nossa Carta Magna garante a todos não apenas que as pessoas só podem ser proibidas de adotar determinada conduta em razão de norma introduzida no sistema pelo veiculo “lei”, garantia formal da liberdade pessoal, mas também que tal proibição se fundamente no direito de terceiros ou da sociedade. Ou seja, o Estado não pode intervir na esfera pessoal de ação voluntária do indivíduo se esta ação não perturba terceiros além do razoável da convivência social.
Por esse pressuposto, parece-nos evidente que proibir o fumo em locais fechados, destinados ao público, como bares e restaurantes, é absolutamente razoável e adequado como regra geral. Fumar implica danos à saúde e ao bem-estar das pessoas que têm contato com a fumaça espirada pelo fumante, logo, proibir o fumo em locais fechados de acesso ao público, em “prima facie”, significa garantir de forma correta e sopesada o direito à saúde e ao bem-estar dos não-fumantes.
A questão que me aflige põe-se, por exemplo, quando me vejo em um restaurante como a Churrascaria Rubayatt, na Alameda Santos, local que frequento habitualmente. Nesse estabelecimento, a área reservada para fumantes é cercada por vidros indevassáveis e com ares condicionados constantemente ligados em seu interior. A presença da fumaça, mesmo no interior desta área, é imperceptível, pela ação eficaz do referido arejamento.
Nessa situação específica, onde a segregação entre área de fumantes e não-fumantes se dá não apenas por uma linha imaginária traçada no restaurante, mas por real barreira física com efetivo arejamento do “fumódromo”, fatores impeditivos da perturbação ao não-fumante, creio que não se pode arrogar o Estado a pretensão de proibir o ato de fumar. O fumar nessas condições traduz conduta que ocasiona prejuízos apenas ao próprio fumante, tratando-se, no plano jurídico, de área de incompetência do agir estatal o interior desta esfera livre de operação da vontade autônoma da pessoa.
A livre gestão do próprio corpo, em condutas que não interfiram em direitos de terceiros, é direito inerente ao principio constitucional protetor da liberdade previsto no “caput” do artigo 5º de nossa Constituição.
Uma vez quando participava de um debate público sobre o tema, uma simpática militante do movimento contra o fumo argumentou, com base em pesquisas científicas que alegava existir, que as moléculas nocivas da fumaça do cigarro podem ingressar pelos dutos do ar condicionado e imperceptivelmente atingir os não-fumantes, prejudicando-os.
Ora, mesmo em sendo verdadeira tal argumentação, não me parece que as imperceptíveis moléculas penetrantes da fumaça pelos dutos condicionados sejam mais prejudiciais ao não-fumante que a poluição ambiental corrente em nossas cidades. Ou seja, essa eventual “perturbação imperceptível” se insere no contexto dos ônus normais e correntes da vida em comum, não implicando ofensa a direitos.
O argumento de que os garçons seriam prejudicados por sua exposição à fumaça no exercício profissional também não se aproveita, seja porque esse risco deve ser compensado pelos mecanismos previstos na Lei trabalhista, que compensa financeiramente a exposição a risco, afinal, não seria essa a única atividade profissional que envolve riscos à saúde, seja porque podem os donos de bares e restaurantes utilizarem apenas dos serviços de garçons fumantes no interior destes ambientes segregados.
Assim, creio que restaurantes que tenham áreas realmente segregadas, física e ambientalmente, para fumantes não devem ser sancionados por permitirem o ato de fumar no interior destas mesmas áreas, por incompatível a sanção com o direito, constitucionalmente garantido, à liberdade.
Outro aspecto relevante a ser debatido quanto à constitucionalidade da iniciativa é a competência do Estado-membro para deliberar sobre tal matéria. A nosso ver, compete aos municípios, entidade federativa incumbida do licenciamento de bares e restaurantes, decidir sobre tal tema, o que impede o Estado-membro de legislar validamente sobre a questão no âmbito dos bares e restaurantes localizados no interior dos municípios.
De qualquer modo, a questão deve dar um bom pano para manga, que é razoável face à natureza negativa do fumar para a saúde, o que justifica limites à conduta de fumar, mas não deve fundamentar uma postura autoritária e higienista do Estado, supressora de liberdades públicas fundamentais.