segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Matéria sobre o Livro Região Metropolitana

INCONSTITUCIONAL

Região metropolitana de São Paulo não existe juridicamente, diz especialista

Daniella Dolme - 14/09/2009 - 07h00

Para o constitucionalista Pedro Estevam Serrano, a região metropolitana do Estado de São Paulo “não existe sob o ponto de vista jurídico”. Segundo ele, a área da cidade foi criada como lei complementar federal, antes da Constituição de 1988. Essa, por sua vez, prevê que a competência para tal criação seria do Estado e por isso a determinação anterior não valeria, caracterizando a inconstitucionalidade dessa região.

No entendimento do advogado, regulamentar a criação da região metropolitana é importante pois serve para que a responsabilidade quanto à titularidade de serviços públicos seja determinada. De competência do Estado, o órgão deve funcionar como um chamado para que os municípios participem da competência estadual, sem que, porém, ultrapassem seus limites locais, conforme estabelecido na Constituição.

De acordo com o professor de direito da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), que lança nesta segunda-feira (14/9) o livro “Região Metropolitana e seu regime constitucional” (Editora Verbatim), a questão é bastante relevante, pois incide em diversas áreas que afetam diretamente a vida dos cidadãos, como no caso da prestação de serviço dos transportes coletivos intermunicipais, planejamento urbano e saneamento básico.

Com a obra, o advogado pretende contrapor a opinião de outros especialistas. “Ao meu ver, algumas pessoas têm interpretado, equivocadamente, que a região metropolitana seria um poder que o Estado tem para ingressar em parte de competência dos municípios metropolitanos e essa é uma interpretação inconstitucional”.

Confira na íntegra a entrevista de Pedro Estevam Serrano:


Última Instância – Qual a importância de se desvendar o regime jurídico constitucional das regiões metropolitanas?

Pedro Estevam Serrano – A importância é, em primeiro lugar, a relevância, porque há uma previsão na Constituição dessa instância [região metropolitana] e, a rigor, ninguém sabe a priori se é um ente federado, se é um mero órgão do governo do Estado ou se é um consórcio entre municípios. Ou seja, a natureza jurídica da região, como pessoa jurídica na federação, como parte do Estado, no sentido amplo da palavra.

Última Instância – Na prática, qual a influência dessa ambiguidade gerada pela falta de esclarecimento quanto ao regime instituído para essas regiões?

Pedro Estevam Serrano – Isso vai ter relevância prática em uma série de serviços públicos que precisam se esclarecer quanto à qual titularidade de serviços e quanto ao seu regime jurídico. Por exemplo: serviço de saneamento, dentro das regiões metropolitanas é de competência do Estado ou dos municípios? Ou dessa entidade regional metropolitana? O mesmo vale para transporte intermunicipal, para a atividade urbanística em geral, para o controle da atividade de loteamento, de parcelamento do solo, de desenvolvimento urbano, em especial das camadas de mais baixa renda; para a questão de preservação do meio ambiente, dos mananciais urbanos que estão próximos às regiões metropolitanas —em suma, o regime da água não só no sentido de saneamento básico, mas de produção e distribuição da água tratada, das águas pluviais, dos recursos hídricos. A própria segurança pública é uma medida afetada pelo regime jurídico. Ou seja, existem repercussões em uma série de serviços que dizem respeito imediatamente às pessoas e ao cidadão, pois são os serviços públicos que chegam à nossa casa.

Última Instância – Quais são os principais e mais prementes problemas jurídicos que afetam as regiões metropolitanas?

Pedro Estevam Serrano – O primeiro problema é exatamente a questão da titularidade dos serviços de saneamento. O segundo é o transporte intermunicipal, com uma série de questões. Por exemplo, se os municípios têm direito ou não à indenização pelos bens, pelas ruas utilizadas por trólebus como os do sistema da EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos). O terceiro problema: parcelamento do solo e planejamento urbano em geral. E aí obviamente embutida a questão da preservação do meio ambiente e dos mananciais, assim como a questão dos recursos hídricos. Essas são questões imediatas.

Última Instância – E na região metropolitana de São Paulo, qual questão o senhor considera primordial?

Pedro Estevam Serrano – Na região da Grande São Paulo tem uma outra questão jurídica que é relevantíssima: a própria existência da região metropolitana. Eu defendo no livro que a região metropolitana de São Paulo não existe sob o ponto de vista jurídico. Ela pode existir como fenômeno urbano, arquitetônico, como um fenômeno típico da atividade, do urbanismo global de hoje em dia e implica efetivamente na conurbação dos sítios urbanos de mais de uma grande cidade. Mas, juridicamente, ela não existe.

A região metropolitana de São Paulo foi criada na antiga Constituição, antes de 1988, por lei complementar federal e a atual Constituição prevê que é o Estado que deve criar a região metropolitana (lei complementar estadual). Portanto, se a gente entendesse que a região metropolitana de São Paulo existe face a essa lei federal anterior, estaria havendo uma intervenção indevida da União nos Estados e por isso ela foi derrogada.

Última Instância – Se a lei federal trata de determinados assuntos e a lei estadual de outros, quais as consequências jurídicas para essa inconstitucionalidade?

Pedro Estevam Serrano – A criação de região metropolitana passou a ser um assunto do Estado, portanto, a lei federal é incompatível com a competência que determina a Constituição da República. Como a Assembleia Legislativa permaneceu inerte, a região de São Paulo não existe sob o ponto de vista formal. Então, ao meu ver, nós podemos ter como ilícita a lei que criou a Agência Reguladora de Saneamento Básico, criada pelo governo Serra; as intervenções da Sabesp nos municípios, se não tiver contrato com esses respectivos municípios, são ilícitas também.

Última Instância – Como solucionar esses problemas? Quais seriam as primeiras etapas?

Pedro Estevam Serrano – Aqui na região metropolitana de São Paulo, a primeira etapa seria criar a região metropolitana. É uma opção que o legislador estadual tem que ter: ou o Estado vai continuar administrando sozinho as suas secretarias, a sua estrutura, os interesses metropolitanos, ou o legislador vai optar por gerenciar esses interesses, não apenas pelo governo do Estado, mas trazendo os municípios para gerenciar em comum, de uma forma mais democrática. A segunda etapa seria submetê-la, na minha opinião, a titularidade dos municípios no tocante a saneamento. Os municípios deveriam abrir licitação para contratar a Sabesp ou alguma outra empresa que queira prestar o serviço de saneamento básico, ou poderiam criar serviços próprios. Com isso a região metropolitana ficaria com a função de realizar a coordenação dessas atividades, para dar uma unicidade a elas. Mas só coordenação, porque a prestação imediata de serviços seria feita pelos próprios municípios.

Última Instância – A questão do saneamento básico, bem enfatizada pelo senhor, é a mais urgente por ser a mais precária?

Pedro Estevam Serrano – Eu creio que seja a mais urgente, não existe mais urgente em termos de poder público, mas vamos dizer, é a mais premente, porque o saneamento está largado no país inteiro, é um problema estrutural na qualidade de vida da população, de saúde pública, tem a ver com o meio ambiente. Ele é um assunto que na verdade repercute em todos os aspectos da vida social.

Última Instância – O Judiciário diferencia Estado, Município e regiões metropolitanas na hora de julgar os processos? Como funciona?

Pedro Estevam Serrano – Para mim, a região metropolitana não é um ente federado, é um órgão do governo do Estado, ou seja, ela é um órgão estadual e tem que ser interpretada como um órgão estadual como qualquer outro. Ou um órgão ou uma pessoa jurídica do Estado, depende de como ela foi criada. Ela pode ser criada como uma autarquia ou ela pode ser criada como um órgão estatal. Tem que ser feita essa criação por lei.

Última Instância – E qual a diferença entre autarquia e órgão estatal?

Pedro Estevam Serrano – Entre autarquia e órgão estatal é muito pouca. Autarquia tem autonomia administrativa, mas tem o mesmo modo de funcionar que o Estado, o chamado regime de direito público; é um órgão da administração direta, como se fosse uma “empresa”, vamos dizer, com o regime de autoridade que lá funciona, como no INPS, na Dersa, por exemplo.

Um órgão estatal é um pedaço da administração direta, é uma descentralização interna, não chega a criar uma pessoa jurídica.

Seria necessário que o Estado de São Paulo criasse a região metropolitana para definir qual a natureza jurídica dela: se é um órgão ou uma autarquia do governo do Estado; depende da vontade do legislador complementar que a cria. A partir daí, se passaria a organizar de uma forma juridicamente válida as suas atividades, que não incluem, ao meu ver, a titularidade do saneamento básico, que é dos municípios.

Última Instância – O que significa equiparar o Município aos Estados-membro e à União? Quais as implicações jurídicas?

Pedro Estevam Serrano – Já é equiparado, a Constituição assim o determinou. O município tem uma esfera de atuação que é só dele e que o Estado e a União não podem interferir, sob pena de estarem cometendo uma inconstitucionalidade, rompendo o pacto federativo. Então a região metropolitana, como é um órgão do governo do Estado, só pode atuar no interior da esfera de competência do Estado e não pode ingressar nas esferas de competência do município. Em suma, é um órgão criado pelo Estado para que se gerencie a sua competência no interior daquela área conurbada, que a gente chama de região metropolitana.

Última Instância – E qual é o limite autônomo do município?

Pedro Estevam Serrano – É tratar dos assuntos de caráter predominantemente local. Ou seja, aqueles assuntos que em obstante possa haver interesse algum interesse do Estado ou da União. Por exemplo, o transporte coletivo municipal, que começa e termina dentro do município, o Estado tem algum interesse: isso alimenta o serviço intermunicipal, a União também. Mas o interesse do município, como é um serviço local, prepondera. O mesmo ocorre com saneamento, quer dizer, como saneamento é uma atividade predominantemente local, se desenvolve dentro do território do município.

Última Instância – Qual é a relação estabelecida entre os consórcios municipais e a região metropolitana?

Pedro Estevam Serrano – Consórcios intermunicipais são acordos que existem entre os municípios para prestar os serviços municipais próprios das competências daqueles municípios. Eles não podem ser usados para ingressar na competência metropolitana, porque é uma competência estadual e só o Estado pode administrar. Por exemplo, você não pode ter dois municípios se juntando para prestar um serviço de transporte intermunicipal. Eles podem fazer um consórcio, que em obstante tenha o nome intermunicipal porque é entre dois municípios, mas não podem prestar os serviços, só melhorá-los. Por exemplo, no saneamento você pode ter mais de um município junto para poder ter uma agência reguladora comum ou até mesmo uma empresa pública que preste de forma comum o serviço para os dois municípios, porém sem entrar na área que é do Estado.

Última Instância – Quais são as funções mínimas atribuídas à região, no âmbito jurídico, então?

Pedro Estevam Serrano – São as funções específicas do Estado, esses interesses intermunicipais, regionais, desde a atividade de pura coordenação até a atividade mesmo de prestação dos serviços, é importante dizer, dentro dos limites da competência estadual, nunca fora dele —acho que isso é o gera mais polêmica nesse assunto. A região metropolitana não é uma competência nova, na federação só tem três tipos de competência: União, Estado e município. Não tem mais nenhuma outra. Região metropolitana é uma forma de exercício da competência estadual, no que o Estado chama os municípios a participar dessa competência, nem os municípios podem se reunir sozinhos para exercer a competência metropolitana. Agora, o Estado pode optar entre exercer sozinho ou criar uma região metropolitana e assim convocar os municípios a participarem dessa gestão.