sexta-feira, 9 de abril de 2010
quinta-feira, 8 de abril de 2010
Saber Científico e saber profissional no ensino jurídico
Saber científico e saber profissional no ensino jurídico
Pedro Estevam Serrano - 01/04/2010
No âmbito científico do Direito, sou daqueles que ainda crêem que o repertório do sistema jurídico conforma-se, fundamentalmente, pelo ordenamento jurídico.
Ainda que, como Dworkin e Alexy, seja possível constatar que o Direito vem sempre originado numa pretensão de correção, em valores morais mais gerais que conformam um dado momento histórico ou um dado processo civilizatório, parece-me que tal pretensão axiológica pertence mais ao âmbito político, que no plano ôntico ocasiona a produção normativa, do que ao plano normativo, onde a ciência do Direito passa a ser passível de identificação como área autônoma do conhecimento humano.
Não creio que tal posição traduza um “autismo” com relação à complexidade das relações sociais, apenas expressa a incapacidade humana de compreender totalidades. Nosso vínculo possível com o holístico pertence mais ao místico que ao saber racional.
Nossa competência em acessar um mínimo do real como ele é —e não como se nos apresenta pelos sentidos embaçados pelos conceitos pré-construídos e afetos, forcejando por ultrapassar por meros lapsos as muralhas de subjetividade que nos aprisionam— só é possível através de procedimentos céticos de verificação e justificação que, fatalmente, só podem recair sobre a parte, nunca sobre o todo.
Fora disso não há como sequer postular pela racionalidade do que vemos ou sentimos. Haverá sempre a dúvida razoável da inconsistência quanto ao que se afirma e, portanto, quanto ao que se pretende como conhecido. Fazer ciência, realizar o racional, é, por conseguinte, um saber em pedaços, o todo só pode ser objeto da fé, da intuição ou do conhecimento vulgar, território das opiniões e não das proposições.
Por consequência, parece-me inegável que o âmbito que é próprio ao Direito é o normativo. Não porque se desconheça a complexidade de como ele se realiza no mundo da vida nua, no contínuo da existência social que ele é produzido e aplicado no caldo cultural, econômico, político e axiológico da vida em sociedade; mas sim por verificar que o que oferece condições de ser descrito com menos distância do puramente subjetivo e o que possui como sistema comunicativo um âmbito autônomo, ao menos no plano sintático, é o ordenamento jurídico.
Se como Luhmann podemos reconhecer que conexões de sentido se estabelecem entre o Direito e outras linguagens inerentes à vida social, é o próprio sistema normativo que estabelece os mecanismos de filtro de significado quando conceitos externos são a ele internados, atribuindo-lhes, inclusive, sentido próprio.
Se a vida acadêmica me criou convicções dessa natureza, que reputo como provisórias em certa medida, pois sujeitas a mudança pelo estudo ou por argumentos alheios, a vida profissional e o exercício das operações jurídicas no real da vida fizeram-me constatar certas obviedades que vejo como inerências insuperáveis.
Uma delas é que o exercício da advocacia e das demais formas de operação jurídica na vida contemporânea exige do profissional o trato com áreas estranhas ao nosso sítio de saber científico. Por evidente, o conhecimento técnico e científico é condição necessária ao bom desempenho profissional, mas não é sua condição suficiente.
Em casos rumorosos a influência da mídia sobre o resultado da demanda é algo que não pode ser secundarizado na ora de montar a estratégia de defesa. O conhecimento de política é algo também insuperável no exercício da profissão, uma leitura adequada do polígono de forças sociais e políticas que influenciam nas decisões de Estado é algo necessário tanto à defesa no contencioso, quanto à orientação consultiva. O saber econômico não pode ser afastado da ponderação do profissional do direito em quase tudo no cotidiano dos litígios e consultas.
E assim com outras áreas do conhecimento de humanidades compõe um cesto de saberes exigidos do profissional que almeja o exercício de papéis estratégicos no exercício de sua atividade.
Assim, se por um lado há de se reconhecer à autonomia do saber científico do Direito, há também que se admitir que a formação profissional do operador jurídico exige, cada vez mais, um alcance amplo de saberes. Quanto mais complexa a vida social, maior será o âmbito de interferências externas no Direito como experiência e maior amplitude de conhecimento e “savoir-faire” se exigirá de seus operadores, por consequência.
Nosso ensino jurídico tem de ser repensado face a essa realidade. Ampliar horizontes de conhecimento sem perda do rigor do saber jurídico é o desafio, mas saibamos que isso não se constrói com bacharelados que mais parecem preparatórios de concursos públicos e exame da OAB, nem tampouco com cursos voltados apenas ao conhecer estritamente técnico.
Há que se ensinar a pensar e criar mais que decorar e reproduzir. Há que se habituar o aluno a lidar com complexidades, mais do que lhes oferecer um “paternalismo didático” substituto das leituras de maior envergadura e do pensar por si.
Pedro Estevam Serrano - 01/04/2010
No âmbito científico do Direito, sou daqueles que ainda crêem que o repertório do sistema jurídico conforma-se, fundamentalmente, pelo ordenamento jurídico.
Ainda que, como Dworkin e Alexy, seja possível constatar que o Direito vem sempre originado numa pretensão de correção, em valores morais mais gerais que conformam um dado momento histórico ou um dado processo civilizatório, parece-me que tal pretensão axiológica pertence mais ao âmbito político, que no plano ôntico ocasiona a produção normativa, do que ao plano normativo, onde a ciência do Direito passa a ser passível de identificação como área autônoma do conhecimento humano.
Não creio que tal posição traduza um “autismo” com relação à complexidade das relações sociais, apenas expressa a incapacidade humana de compreender totalidades. Nosso vínculo possível com o holístico pertence mais ao místico que ao saber racional.
Nossa competência em acessar um mínimo do real como ele é —e não como se nos apresenta pelos sentidos embaçados pelos conceitos pré-construídos e afetos, forcejando por ultrapassar por meros lapsos as muralhas de subjetividade que nos aprisionam— só é possível através de procedimentos céticos de verificação e justificação que, fatalmente, só podem recair sobre a parte, nunca sobre o todo.
Fora disso não há como sequer postular pela racionalidade do que vemos ou sentimos. Haverá sempre a dúvida razoável da inconsistência quanto ao que se afirma e, portanto, quanto ao que se pretende como conhecido. Fazer ciência, realizar o racional, é, por conseguinte, um saber em pedaços, o todo só pode ser objeto da fé, da intuição ou do conhecimento vulgar, território das opiniões e não das proposições.
Por consequência, parece-me inegável que o âmbito que é próprio ao Direito é o normativo. Não porque se desconheça a complexidade de como ele se realiza no mundo da vida nua, no contínuo da existência social que ele é produzido e aplicado no caldo cultural, econômico, político e axiológico da vida em sociedade; mas sim por verificar que o que oferece condições de ser descrito com menos distância do puramente subjetivo e o que possui como sistema comunicativo um âmbito autônomo, ao menos no plano sintático, é o ordenamento jurídico.
Se como Luhmann podemos reconhecer que conexões de sentido se estabelecem entre o Direito e outras linguagens inerentes à vida social, é o próprio sistema normativo que estabelece os mecanismos de filtro de significado quando conceitos externos são a ele internados, atribuindo-lhes, inclusive, sentido próprio.
Se a vida acadêmica me criou convicções dessa natureza, que reputo como provisórias em certa medida, pois sujeitas a mudança pelo estudo ou por argumentos alheios, a vida profissional e o exercício das operações jurídicas no real da vida fizeram-me constatar certas obviedades que vejo como inerências insuperáveis.
Uma delas é que o exercício da advocacia e das demais formas de operação jurídica na vida contemporânea exige do profissional o trato com áreas estranhas ao nosso sítio de saber científico. Por evidente, o conhecimento técnico e científico é condição necessária ao bom desempenho profissional, mas não é sua condição suficiente.
Em casos rumorosos a influência da mídia sobre o resultado da demanda é algo que não pode ser secundarizado na ora de montar a estratégia de defesa. O conhecimento de política é algo também insuperável no exercício da profissão, uma leitura adequada do polígono de forças sociais e políticas que influenciam nas decisões de Estado é algo necessário tanto à defesa no contencioso, quanto à orientação consultiva. O saber econômico não pode ser afastado da ponderação do profissional do direito em quase tudo no cotidiano dos litígios e consultas.
E assim com outras áreas do conhecimento de humanidades compõe um cesto de saberes exigidos do profissional que almeja o exercício de papéis estratégicos no exercício de sua atividade.
Assim, se por um lado há de se reconhecer à autonomia do saber científico do Direito, há também que se admitir que a formação profissional do operador jurídico exige, cada vez mais, um alcance amplo de saberes. Quanto mais complexa a vida social, maior será o âmbito de interferências externas no Direito como experiência e maior amplitude de conhecimento e “savoir-faire” se exigirá de seus operadores, por consequência.
Nosso ensino jurídico tem de ser repensado face a essa realidade. Ampliar horizontes de conhecimento sem perda do rigor do saber jurídico é o desafio, mas saibamos que isso não se constrói com bacharelados que mais parecem preparatórios de concursos públicos e exame da OAB, nem tampouco com cursos voltados apenas ao conhecer estritamente técnico.
Há que se ensinar a pensar e criar mais que decorar e reproduzir. Há que se habituar o aluno a lidar com complexidades, mais do que lhes oferecer um “paternalismo didático” substituto das leituras de maior envergadura e do pensar por si.
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