quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Descriminalização do uso da maconha como forma de combater o crime

Pedro Estevam A P Serrano

Pouco antes de morrer, Evandro Lins e Silva, um dos mais brilhantes juristas que o Brasil já teve e autor do pedido de impeachment de Fernando Collor de Mello, defendeu em entrevista uma mudança essencial na política de combate às drogas e à violência: descriminalizar o uso da maconha.

Já tive oportunidade aqui, em artigo anterior, de formular meu ponto de vista quanto aos aspectos jurídico-constitucionais da questão, me parecendo como inconstitucional a criminalização do uso de drogas. Neste momento, pretendo me cingir à mera opinião política, de lege ferenda, de mérito quanto a questão.

A idéia, que então já era defendida pelo deputado Fernando Gabeira, ganhou na semana passada apoio de três ex-presidentes na América Latina: Fernando Henrique Cardoso (Brasil), César Gaviria (Colômbia) e Ernesto Zedillo (México). Com a experiência do exercício presidencial e aliados ao escritor peruano Mario Vargas Llosa e a Paulo Coelho, os três participaram da 3ª Reunião da Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, que resultou na propositura à ONU (Organização das Nações Unidas) do documento “Rumo a Uma Mudança de Paradigma”. O texto propõe que se altere a forma de combater o tráfico de drogas, a partir do incremento de políticas de saúde, de campanhas de conscientização e da descriminalização do uso da maconha.

“Essa história de guerra contra as drogas não resolve”, chegou a declarar Fernando Henrique Cardoso. E não poderia ter dito melhor. O mundo já está suficientemente experimentado na questão para concluir que os mecanismos de repressão adotados por diversos países, inclusive o Brasil, já se revelaram improdutivos. Nas duas últimas décadas, assistimos ao avanço das organizações criminosas, mesmo diante de orçamentos na área de segurança cada vez mais elevados. É um sinal claro de que a política repressiva não surte efeito.

Nesse campo, uma das políticas mais bem sucedidas é a da redução de danos. Em linhas gerais, constitui-se em classificar os problemas em uma escala de gravidade e buscar, primeiramente, soluções para o mais grave. Um exemplo clássico é o combate à Aids em países como Suécia e Dinamarca, nos quais o governo promoveu ampla distribuição de seringas descartáveis para que usuários de drogas injetáveis abandonassem o hábito de compartilhamento das seringas. Com a prática de compartilhamento, uma conduta de risco, as chances de disseminação do HIV eram muito maiores.

Na Inglaterra, chegou-se a produzir uma espécie de manual para que os usuários de drogas inalantes soubessem o que fazer em caso de alguma reação grave do organismo durante uma sessão de uso de entorpecentes. A lógica é simples: admitir que a proibição não induz as pessoas a deixarem as drogas e, por isso, é preciso educá-las quanto ao que fazer para salvarem suas vidas. A vida é o bem maior a ser protegido.

No caso da maconha a situação é semelhante. O problema mais grave não está no uso da droga, mas nas organizações criminosas que se beneficiam do tráfico não só de maconha, mas principalmente de cocaína e de armas. Políticas adotadas recentemente de forte repressão e responsabilização do usuário são profundamente equivocadas.

Não se sustentam nesse debate argumentos como “a descriminalização seria um estímulo ao consumo, o que levaria ao aumento de usuários e, consequentemente, ao crescimento dos crimes”. Simplesmente porque hoje quem quer consumir, consome, não o deixa de fazer porque é preciso recorrer a um traficante. Além disso, a proibição talvez seja um dos estímulos ao consumo, se pensarmos em usuários adolescentes.

Outro argumento contrário à descriminalização que é muito utilizado é o de que a área da saúde, já com orçamento tão precário, teria que receber uma injeção de divisas para dar conta do acréscimo de usuários nos hospitais e postos. O argumento é frágil porque não é freqüente usuários de maconha recorrem a hospitais, pelas características da droga e seus efeitos. Maconha não é como álcool. Além disso, é sabido que o custo do tratamento é muito menor que o custo da repressão, e o dinheiro usado na repressão atualmente pode ser deslocado para a área da saúde.

É preciso ressaltar também que mais de 10% da população carcerária brasileira é composta por pessoas que foram presas com pequena quantidade de drogas, caracterizando uso próprio. Ora, um dos mais graves problemas que enfrentamos na área de segurança é justamente a superpopulação carcerária, o que mistura diferentes tipos de criminosos e transforma as cadeias em universidades do crime. A descriminalização da maconha pode colaborar igualmente para minorar esse problema.

A meu ver, acertam os que colocam a questão do uso de maconha no campo da saúde pública, não no da segurança pública. O usuário é um elo fraco na cadeia da produção, contrabando, venda e consumo da droga. É preciso adotar uma política de redução de danos no caso da maconha. Ou seja, descriminalizar para educar as pessoas e começar a desatar o nó das organizações criminosas que têm no tráfico um de seus pilares.

Quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Matéria do Pedro na Folha de S. Paulo

15/02/2009 - 14h36

Divulgação de laudo médico de brasileira na Suíça é irresponsável, diz professor da PUC

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da Folha Online

O professor de Direito Constitucional da PUC-SP, Pedro Estevam Serrano, avalia que o Instituto de Medicina Forense da Universidade de Zurique, na Suíça, errou da divulgação do laudo médico sobre o caso da advogada brasileira Paula Oliveira, 26. Ele aconselha ainda que as autoridades brasileiras contratem peritos particulares para examinar a pernambucana e garantir equilíbrio e transparência nas investigações.

Paula afirma ter sido atacada por três skinheads, na última segunda-feira (9), em uma estação de trem nos arredores de Zurique. Devido aos chutes e agressões com estilete contra seu corpo--onde os criminosos teriam desenhado símbolos nazistas--, a brasileira afirma ter sofrido um aborto no banheiro.

A polícia de Zurique informou na última sexta-feira (13) que exames médicos realizados pelo Instituto de Medicina Forense comprovaram que ela não estava grávida no momento da agressão que teria sofrido na estação de trem.

Para o professor de Direito da PUC, o instituto suíço cometeu pelo menos "três graves erros" ao divulgar o parecer à imprensa. "Feriram o sigilo médico, que só pode ser quebrado por razões sociais", explica o professor.

Há também contradições na conduta das autoridades suíças, conforme Serrano. "Se a própria polícia suíça decretou sigilo no caso, o instituto não poderia tornar públicos os laudos médicos que são parte da investigação. Eles nunca poderiam ter dado entrevistas antes da conclusão da investigação".

Serrano também critica a precipitação do Instituto na divulgação de dados, antes de um psiquiatra avaliar a brasileira. "Emitiram opinião antes mesmo de terminar as diligências médicas e psiquiátricas. Não poderiam ter tirado conclusões antes que um psiquiatra a atendesse, pois a mulher está em estado de choque".

Para o professor da PUC, as autoridades brasileiras na Suíça deveriam contratar peritos particulares para examinar Paula e garantir que haja equilíbrio e transparência nas investigações. "É preciso que se faça um laudo imparcial para tirar essa impressão de armação contra uma brasileira na Suíça", afirma Pedro Serrano.

A advogada brasileira pode ser indiciada criminalmente se for comprovada tentativa de farsa, segundo o comandante-geral da polícia de Zurique, na Suíça, Phillip Hotzenkocherie, em reportagem do "Jornal Nacional", da TV Globo.

O pai da pernambucana, Paulo Oliveira, afirmou, segundo reportagem da Folha deste domingo, que o estado psicológico da filha é "grave e se tornou mais preocupante". Oliveira disse que Paula não sabe que a polícia suíça desmentiu sua versão e suspeita que ela mesma provocou os ferimentos em seu corpo.

Um dia após ter afirmado que acredita na versão da filha, Paulo fez ontem a primeira concessão em relação às suspeitas da polícia suíça.

"Em qualquer circunstância, a minha filha é vítima", disse ele. "Ou é vítima de graves distúrbios psicológicos ou da agressão, que desde o início ela sustenta e [de que] não tenho motivos ainda para duvidar."

Paulo disse que não tem exames que comprovem a gravidez da filha. "Como eu não morava com ela e nem moro, não sei onde estão os documentos", disse o advogado. "Tudo o que tenho são as informações que ela transmitiu antes que esta tragédia se iniciasse."