Já tive oportunidade aqui, em artigo anterior, de formular meu ponto de vista quanto aos aspectos jurídico-constitucionais da questão, me parecendo como inconstitucional a criminalização do uso de drogas. Neste momento, pretendo me cingir à mera opinião política, de lege ferenda, de mérito quanto a questão.
A idéia, que então já era defendida pelo deputado Fernando Gabeira, ganhou na semana passada apoio de três ex-presidentes na América Latina: Fernando Henrique Cardoso (Brasil), César Gaviria (Colômbia) e Ernesto Zedillo (México). Com a experiência do exercício presidencial e aliados ao escritor peruano Mario Vargas Llosa e a Paulo Coelho, os três participaram da 3ª Reunião da Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, que resultou na propositura à ONU (Organização das Nações Unidas) do documento “Rumo a Uma Mudança de Paradigma”. O texto propõe que se altere a forma de combater o tráfico de drogas, a partir do incremento de políticas de saúde, de campanhas de conscientização e da descriminalização do uso da maconha.
“Essa história de guerra contra as drogas não resolve”, chegou a declarar Fernando Henrique Cardoso. E não poderia ter dito melhor. O mundo já está suficientemente experimentado na questão para concluir que os mecanismos de repressão adotados por diversos países, inclusive o Brasil, já se revelaram improdutivos. Nas duas últimas décadas, assistimos ao avanço das organizações criminosas, mesmo diante de orçamentos na área de segurança cada vez mais elevados. É um sinal claro de que a política repressiva não surte efeito.
Nesse campo, uma das políticas mais bem sucedidas é a da redução de danos. Em linhas gerais, constitui-se em classificar os problemas em uma escala de gravidade e buscar, primeiramente, soluções para o mais grave. Um exemplo clássico é o combate à Aids em países como Suécia e Dinamarca, nos quais o governo promoveu ampla distribuição de seringas descartáveis para que usuários de drogas injetáveis abandonassem o hábito de compartilhamento das seringas. Com a prática de compartilhamento, uma conduta de risco, as chances de disseminação do HIV eram muito maiores.
Na Inglaterra, chegou-se a produzir uma espécie de manual para que os usuários de drogas inalantes soubessem o que fazer em caso de alguma reação grave do organismo durante uma sessão de uso de entorpecentes. A lógica é simples: admitir que a proibição não induz as pessoas a deixarem as drogas e, por isso, é preciso educá-las quanto ao que fazer para salvarem suas vidas. A vida é o bem maior a ser protegido.
No caso da maconha a situação é semelhante. O problema mais grave não está no uso da droga, mas nas organizações criminosas que se beneficiam do tráfico não só de maconha, mas principalmente de cocaína e de armas. Políticas adotadas recentemente de forte repressão e responsabilização do usuário são profundamente equivocadas.
Não se sustentam nesse debate argumentos como “a descriminalização seria um estímulo ao consumo, o que levaria ao aumento de usuários e, consequentemente, ao crescimento dos crimes”. Simplesmente porque hoje quem quer consumir, consome, não o deixa de fazer porque é preciso recorrer a um traficante. Além disso, a proibição talvez seja um dos estímulos ao consumo, se pensarmos em usuários adolescentes.
Outro argumento contrário à descriminalização que é muito utilizado é o de que a área da saúde, já com orçamento tão precário, teria que receber uma injeção de divisas para dar conta do acréscimo de usuários nos hospitais e postos. O argumento é frágil porque não é freqüente usuários de maconha recorrem a hospitais, pelas características da droga e seus efeitos. Maconha não é como álcool. Além disso, é sabido que o custo do tratamento é muito menor que o custo da repressão, e o dinheiro usado na repressão atualmente pode ser deslocado para a área da saúde.
É preciso ressaltar também que mais de 10% da população carcerária brasileira é composta por pessoas que foram presas com pequena quantidade de drogas, caracterizando uso próprio. Ora, um dos mais graves problemas que enfrentamos na área de segurança é justamente a superpopulação carcerária, o que mistura diferentes tipos de criminosos e transforma as cadeias em universidades do crime. A descriminalização da maconha pode colaborar igualmente para minorar esse problema.
A meu ver, acertam os que colocam a questão do uso de maconha no campo da saúde pública, não no da segurança pública. O usuário é um elo fraco na cadeia da produção, contrabando, venda e consumo da droga. É preciso adotar uma política de redução de danos no caso da maconha. Ou seja, descriminalizar para educar as pessoas e começar a desatar o nó das organizações criminosas que têm no tráfico um de seus pilares.
Quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009