quinta-feira, 12 de março de 2009

Seres humanos: fonte do bem, fonte do mal

Pedro Estevam Serrano

Poucas instituições na história da Humanidade produziram pessoas dotadas do sentido maior da expressão generosidade e solidariedade humana do que o catolicismo brasileiro. Clérigos como Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Helder Câmara, Dom Aluísio Lorscheider e personalidades como Sobral Pinto, Hélio Bicudo e Zilda Arns são alguns exemplos disso.

Mas, como toda organização humana que produz o generoso, a Igreja Católica também produz o que é cruel. Em última análise, porque se trata de organização criada, constituída e conduzida por homens. Por isso, é fonte do bem, mas igualmente do mal. É da condição humana.

Nos últimos dias, um clérigo de Pernambuco foi fonte de ato de proporção tão estarrecedora que me recordo de poucos equiparáveis a este, do ponto de vista conceitual e de valores.

Seguramente, posso dizer que são raros os atos que representaram tão bem a crueldade e insensibilidade humana como a decisão de excomungar a mãe de uma menina de 9 anos (!) que foi vítima de estupro por parte do padrasto e os médicos que realizaram o procedimento de interrupção da gravidez. O agravante é que a menina de 9 anos (!) corria risco de morte se a gestação não fosse interrompida.

Pelo que tenho ouvido nos diversos círculos em que o assunto vem à baila, de pessoas dos mais variados matizes ideológicos e religiosos, há quase que um consenso recriminatório da decisão pela excumunhão. Apenas algumas pessoas dizem que a questão seria interna à Igreja, em uma tentativa de defender o indefensável.

Parece-me evidente, contudo, que a decisão tenha sido um ato de constrangimento social dos profissionais solidários à menina e que a salvaram, porque a continuidade da gravidez representaria grave risco à sua saúde. Nas impiedosas palavras do clérigo, o ato médico não foi apresentado como um auxílio à menina, mas sim como um ato de assassínio, de morte do feto. Ou seja, o clérigo imputa uma conduta que os profissionais médicos não tiveram e o faz de forma pública, via imprensa. Ao optar pela exposição na mídia, em clara tentativa de execração dos envolvidos, o clérigo contribuiu para derrubar o argumento de que a questão é interna, retirando-a do interior dos muros da Igreja e jogando-a à luz da sociedade.

Na condenação feita pelo clérigo, foi possível assistir à maior estrutura religiosa brasileira punindo profissionais médicos que agiram de acordo com seu dever ético, com o qual se comprometem em juramento, e dentro dos limites da lei. Em geral, os clérigos brasileiros não têm agido dessa forma farisaica. Portanto, é de se destacar que a conduta de um indivíduo não pode ser confundida com a conduta de toda a Igreja Católica no Brasil e no mundo.

Sou a favor da liberdade de escolha sobre o aborto, posição que já defendi em diversos círculos, inclusive na mídia e neste espaço. Mas minha consciência me impede de usar tamanho despautério no caso em tela para provocar, neste momento, o debate pela descriminalização do aborto.

Estou ciente de que, no movimento contrário a descriminalização do aborto, postulando contra o que creio como correto, existem pessoas muito sérias, muito preocupadas e comprometidas com a defesa de um ponto de vista ideológico a meu ver equivocado, mas digno de respeito. Essa é uma das qualidades da democracia, a pluralidade e a divergência de opiniões e visões de mundo.

Considero que a legalização do aborto deve representar um avanço rumo a um Estado laico, um avanço cultural e civilizatório. Em meu entender, no entanto, não vamos conseguir esse progresso social se escolhermos o caminho da mudança em momentos como esse, de reações emocionais. O debate obtido será produto da natural reação de ódio e inconformidade e não da interlocução civilizada e racional.

O momento é, pois, de se lamentar a conduta desumana e cruel dessa autoridade eclesial, sem dela tirar proveito em favor de qualquer posição política.

Logo ele, que substituiu a figura resplandecente de Dom Helder Câmara. É evidente que não substituiu...

Quinta-feira, 12 de março de 2009

domingo, 8 de março de 2009

Fiel - documentário sobre a torcida do corinthians

Pessoal

Chorei mais nesse vídeo que no filme inteiro do "Campeão".

http://tvuol.uol.com.br/#view/id=veja-o-trailer-do-filme-do-corinthians-04023266D8B17326/user=t2pjn3videvl/date=2009-03-02&&list/type

Ensina a Teu Filho - Frei Betto

 

Ensina a teu filho
FREI BETTO - Artigo - O Estado de S. Paulo

Ensina a teu filho que o Brasil tem jeito e que ele deve crescer feliz por ser brasileiro. Há neste país juízes justos, ainda que esta verdade soe como cacófato. Juízes que, como meu pai, nunca empregaram familiares, embora tivessem filhos advogados, jamais fizeram da função um meio de angariar mordomias e, isentos, deram ganho de causa também a pobres, contrariando patrões gananciosos ou empresas que se viram obrigadas a aprender que, para certos homens, a honra é inegociável.

Ensina a teu filho que neste país há políticos íntegros como Antônio Pinheiro, pai do jornalista Chico Pinheiro, que revelou na mídia seu contracheque de parlamentar e devolveu aos cofres públicos jetons de procedência duvidosa.

Saiba o teu filho que, no monolito preto do Banco Central, em Brasília, onde trabalham cerca de 3 mil pessoas, a maioria é honrada e, porque não é cega, indignada ante maracutaias de autoridades que deveriam primar pela ética no cargo que lhes foi confiado.

Ensina a teu filho que não ter talento esportivo ou rosto e corpo de modelo, e sentir-se feio diante dos padrões vigentes de beleza, não é motivo para ele perder a auto-estima. A felicidade não se compra nem é um troféu que se ganha vencendo a concorrência. Tece-se de valores e virtudes e desenha, em nossa existência, um sentido pelo qual vale a pena viver e morrer.

Ensina a teu filho que o Brasil possui dimensões continentais e as mais fertéis terras do planeta. Não se justifica, pois, tanta terra sem gente e tanta gente sem terra. Assim como a libertação dos escravos tardou, mas chegou, a reforma agrária haverá de se implantar. Tomara que regada com muito pouco sangue.

Saiba o teu filho que os sem-terra que ocupam áreas ociosas e prédios públicos são, hoje, chamados de "bandidos", como outrora a pecha caiu sobre Gandhi sentado nos trilhos das ferrovias inglesas e Luther King ocupando escolas vetadas aos negros.

Ensina a teu filho que pioneiros e profetas, de Jesus a Tiradentes, de Francisco de Assis a Nelson Mandela, são invariavelmente tratados, pela elite de seu tempo, como subversivos, malfeitores, visionários.

Ensina a teu filho que o Brasil é uma nação trabalhadora e criativa. Milhões de brasileiros levantam cedo todos os dias, comem aquém de suas necessidades e consomem a maior parcela de sua vida no trabalho, em troca de um salário que não lhes assegura sequer o acesso à casa própria. No entanto, essa gente é incapaz de furtar um lápis do escritório, um tijolo da obra, uma ferramenta da fábrica. Sente-se honrada por não descer ao ralo que nivela bandidos de colarinho branco com os pés-de-chinelo. É gente feita daquela matéria-prima dos lixeiros de Vitória que entregaram à polícia sacolas recheadas de dinheiro que assaltantes de banco haviam escondido numa caçamba.

Ensina teu filho a evitar a via preferencial dessa sociedade neoliberal que nos tenta incutir que ser consumidor é mais importante que ser cidadão, incensa quem esbanja fortuna e realça mais a estética que a ética.

Saiba o teu filho que o Brasil é a terra de índios que não se curvaram ao jugo português e de Zumbi, de Angelim e frei Caneca, de madre Joana Angélica e Anita Garibaldi, dom Hélder Câmara e Chico Mendes.

Ensina a teu filho que ele não precisa concordar com a desordem estabelecida e que será feliz se se unir àqueles que lutam por transformações sociais que tornem este país livre e justo. Então, ele transmitirá a teu neto o legado de tua sabedoria.

Ensina teu filho a votar com consciência e jamais ter nojo de política, pois quem age assim é governado por quem não tem e, se a maioria tiver a mesma reação, será o fim da democracia. Que o teu voto e o dele sejam em prol da justiça social e dos direitos dos brasileiros imerecidamente tão pobres e excluídos, por razões políticas, dos dons da vida.

Ensina a teu filho que a uma pessoa bastam o pão, o vinho e um grande amor. Cultiva nele os desejos do espírito. Saiba o teu filho escutar o silêncio, reverenciar as expressões de vida e deixar-se amar por Deus que o habita.